quinta-feira, 22 de abril de 2010

Um Repórter Fotográfico 01

Já ouvi burburinhos de todo tipo sobre a profissão do Repórter Fotográfico, entre tantos de que somos folgados, petulantes demais, curiosos, carrascos, carniceiros, desalmados, enfim, por outro lado, adorados, guardiões da verdade, tradutores do indizível, fantásticos, por aí. Sem dúvidas é uma profissão digna como qualquer outra: batemos ponto, cumprimos pautas, rodamos toda cidade, viajamos, subimos em morros e descemos em grotas, pulamos muros, tudo por uma boa imagem. A essência maior de nossa profissão é a paixão pelo que fazemos. Para nós é tão ruim quanto seja para alguns que caiam em nossas pautas, em momentos difíceis, que geralmente estão envolvidos com algum tipo de contravenção - por isso nos repudiam - mas a culpa não é nossa, é deles que estão envolvidos. Lamento. É minha profissão. O que diz um assaltante na hora que aperta o gatilho pra matar outro cidadão ? O que dizem os corruptos, na surdina, quando desviam a verba pública em seus benefícios ? O que dizem os estupradores para suas vítimas ? Os pedófilos ? Os traficantes de crack e de armas ? O que dizes ? O que tens a dizer da minha profissão ? Lá estamos, olho a olho com o furacão, debruçados em postes e janelas, acocorados, deitados, estirados no chão, com os pés na lama, oras pendurados em cordas, oras sobre cordas, nessa travessia pra eternidade. Contribuímos significativamente com a História, praticamos uma Antropologia de Informação, numa linguagem universal. Na linguagem da fotografia jornalística, que se pratica no cotidiano das pessoas e das cidades, com a pressão impulsionada pela velocidade dos Meios de Comunicação, postamos o que é de fato mais realístico. Oferecendo uma compreensão mínima - chegando mesmo a um nível de se exprimir em plena compreensão - embora navegue em dúvidas nossas mentes, quando, numa primeira visualização do quadro, o olhar encontra algumas respostas suficientes e instantâneas.

No olhar do Repórter Fotográfico está todo um ‘reino’ de conhecimentos, que procura no ambiente do entorno do objeto a composição do quadro, do mesmo modo que qualquer outro Artista ou músico, operando seus instrumentos, compondo. A rotina nesse reino não se repete absolutamente, nem ao passar dos anos, todo dia as pautas são outras, numa média de três pautas no dia a dia dos 250 dias úteis do ano; são 750 pautas cumpridas. A quantidade de fotos por pauta depende muito de cada profissional. Hoje faço uma média de 500 fotos por dia trabalhado (Durante e, principalmente, entre as pautas fotografo também gente nas ruas, aspectos gerais da cidade ou dos ambientes, animais, flores, texturas, ações cotidianas, companheiros do trabalho, pautas futuras, enfim, mantenho a câmara sempre alerta). No período de um ano são acionados 375 mil clics, o que na época do filme isso seria quase impossível - É claro que boa parte dessas fotos vai, logo na primeira visualização, para o lixo (cerca de 300 mil), para num final, selecionadas e tratadas, 45 mil fotos para 3 mil publicações/ano. É claro que o equipamento que usamos é preparado para esse rojão. Esse número pode vir a ser muito maior ou um pouco menor, mas é uma média de minha experiência atual.

A Caverna na Caserna Urbana

Sempre que vejo um automóvel estacionado sobre uma calçada relembro da teoria da caverna de Platão; na condição primária da alienação do consumo; é quando penso que uma pessoa pode se tornar alienada ao conviver apenas com a própria dedução do que é certo e errado, verdadeiro e falso; quanto ao egocentrismo crônico, voltado apenas para o seu universo, onde a realidade é tomada pela aparência.
 
Guiados pela comunicação persuasiva, persistente dos segmentos mercadológicos, a tal sombra projetada na parede através da luz da fogueira na caverna, dizendo como devemos ser, o que devemos fazer, com o que nos preocupar, com o que sonhamos e principalmente com o que consumimos.  Que a condição de poder está representada hierarquicamente através da manipulação do conhecimento, da idéia, da soberania do saber. Saber ? Saber o quê, como diria Sócrates, mestre de Platão, “só sei que nada sei”.

Para Platão, deveria a humanidade sair das cavernas e ganhar a liberdade. Que o Homem que quisesse sair dali, deveria vencer seus medos, quebrar as correntes da ignorância. Que é somente através do conhecimento, sabedoria e persistência que conseguimos sair da caverna e enxergar o mundo a nossa volta.

E assim nasce um novo homem.

Uma pequena ação, que parece por vezes inocente e tola, gera outra ação danosa, vexaminosa, humilhante, degradante. Um automóvel sobre uma calçada é uma covardia com os transeuntes, tantas vezes crianças, velhos, cegos, paraplégicos, cidadãos, têm seus caminhos obstruídos por esses gigantes impostos pelo consumismo inconseqüente. Imagine um automóvel para cada ser adulto do mundo, ideologia do consumo de massa, queimando combustível, poluindo nossa atmosfera, persistindo em cidades concretas que diante esses gigantes de lata sucumbe, numa ignorância urbana, pelo excesso não programado.

Velozes, esses automóveis chegam a atingir mais que 200 quilômetros por hora, em ruas estreitas, curtas, margeadas por calçadas que transitam gente. Mas percebamos, que não há culpa nem desculpa, nada é em vão, devemos exceder os limites do conhecer, para um novo e maduro amanhecer. Porém precisamos expandir o conhecimento e a sabedoria, erguer a alto-estima pública, fazer pulsar a força da vontade e agirmos.

O Homem em sua caverna. A realidade transtornada ao seu redor, num mundo a beira do caos, na condição heterogênea da divisão das classes sociais, impondo limites à condição de renda e aos tipos de habitação, diante o colapso do transporte coletivo, na epopéia da migração rural, expulsa dos latifúndios, numa terra que outrora, virgem, habitavam índios nômades em perfeita harmonia com a natureza.

A evolução, pela ótica da “roda da fortuna” está em plena involução, implodindo em si, seduzida pelos apelos das sombras projetas no fundo das cavernas, consumindo o que lhes é ditado, interagindo como lhe é imposto, glorificando o que seja conveniente para o Mercado, esmagando os sentimentos alheios a humanidade transborda em seu ápice de alienação, não tem mais como mentir.

E assim morre um velho homem.